
Assisti de longe, mas não tão longe. Uma menina quieta, acuada no canto do quarto.
Parecia assustada, com medo. Tentei me aproximar pra entender o que havia.
Mas a menina não me permitiu nenhuma aproximação. Preferia ficar sozinha com sua dor.
Então resolvi que seria melhor respeitá-la. E me afastei.
E apesar de não entender muito bem o que acontecia, observava atenta.
Era difícil de ver também, já que a menina havia apagado a luz, justamente com a intenção de não ser vista. Entre o som dos poucos carros que passavam na rua e a televisão do vizinho, pude escutar breves momentos de soluços. Como se quisesse chorar escancaradamente, mas não pretendia chamar a atenção. E de tanto guardar o choro, tão sufocada, em um momento ou outro era possível ouvir seus gemidos.
Tentando engolir o choro e limpar as lágrimas, ela levantou e saiu do quarto. Eu não entendi o que ela pretendia fazer, mas logo me levantei para ver.
Antes mesmo que eu pudesse chegar tão perto, ela entrou no banheiro e se trancou. No primeiro momento eu fiquei ali, de pé na porta, sem saber o que fazer. Sem saber se era melhor esperar ou não. Mas depois de alguns minutos, resolvi voltar pro quarto e deixá-la sozinha. O que, na verdade, era o que ela queria desde o início. E que eu ainda não havia feito pelo tamanho da minha curiosidade.
Mas a minha curiosidade acabou virando preocupação. Afinal, ela estava sofrendo e parecia sofrer muito, e eu sequer conseguia ajudar. Já estava a tanto tempo trancada, sem emitir qualquer ruído, que resolvi quebrar meu sinal de respeito e voltei até a porta. Fiquei parada por algum tempo, esperando ouvir qualquer sinal de vida. Mas nada acontecia. Minha preocupação já era desespero naquele momento, mas continuava esperando. E ficava imaginando “ela vai sair a qualquer momento”... E nada.
Por fim, já não aguentava mais, resolvi bater na porta, uma batida só, de leve. Para que ela soubesse que estaria ali caso precisasse. E no momento que levantei a minha mão, antes mesmo de tocar, ouvi o barulho da porta destrancando.
Fiquei ali de mão estendida, preparada pra bater, e ela passou por mim, como se eu nem ali estivesse. Voltou pro quarto e deitou cobrindo- se completamente, da cabeça aos pés. E eu, imóvel, intacta... Desfiz vagarosamente meus movimentos e também voltei pro quarto. Àquela altura da madrugada, eu já não esperava que ela se virasse pra mim e contasse tudo num momento de desabafo. Imaginava que, um dia, ela estaria pronta pra me contar o que aconteceu. Não queria ser mais invasiva do que já havia sido.
A luz permaneceu apagada, o silêncio prevaleceu. E ela... Bem, ela continuava quieta, sem dividir com ninguém a sua dor.
Até o primeiro feixe de luz começar a clarear o quarto, vindo da janela, permanecia intocável.
E eu... Bem, eu continuava observando seus poucos gestos, suas muitas lágrimas, seu nenhum desabafar.
Depois de uma longa madrugada, que parecia interminável, meus olhos já cansados, aos poucos se rendiam. Tentando relutar, ficar abertos, atentos, mas já não conseguiam...
E fui pegando no sono devagar. E de olhos fechados, ainda ouvindo o som em volta, percebi em meio ao quase silêncio, um suspiro. Pesado, cansado, com rastros de dor. Abri os olhos lentamente e lá estava ela. De olhos tão molhados quanto seu travesseiro, tão fechados quanto sua boca. De aparência serena e perturbada. Como se, por algum momento, sua vida tivesse sido arrancada de si, e de repente, devolvida. Num só suspiro.
A noite passou sem que eu soubesse o que acontecera. O dia chegou sem que a menina me contasse uma só palavra. Mas eu estava aliviada por ela ter compartilhado comigo sua dor. E já estava totalmente conformada com o silêncio, quando de repente, numa única frase, balbuciada, explicou. Ela me olhou, como se quisesse o tempo todo falar sem conseguir. E eu permanecia olhando fixo nos seus olhos, pra que entendesse que eu esperaria o tempo que fosse preciso. Eu entendi tudo que havia acontecido durante toda a noite, só no seu olhar paralisado, como se tivesse me explicado por horas o que sentia. E sem que eu precisasse de qualquer esclarecimento, ela me disse: Não se leva embora de mim.
E eu entendi.
Também não disse nada. Não respondi, não contrariei. Permaneci quieta.
E num piscar de olhos, ela já não estava mais ali.
Estatelada, sentei na cama... E só consegui pronunciar algumas poucas palavras, no vazio do meu quarto. Percebi.
“Meu Deus... A menina era eu.”
Por Raphaela Dias